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51 alienígenas europeias Alienígena — esta era a palavra-chave.

Para rebater aquela estrutura alienígena, imposta, os novos teólogos olhavam “de baixo para cima”. Do nível do povo. Da perspectiva da opressão e da injustiça — porque isto, diziam eles, era tudo o que eles encontravam “embaixo”, entre o povo. A tarefa, em outras palavras, era impor a “opção preferencial” a todas as pessoas, tanto ricas como pobres.

Imediatamente, como Fernando Cardenal e os outros sacerdotes san - dinistas perceberam com rapidez, nasceu um novo conceito de “Igreja”. O corpo ordinário de crentes, pela definição modificada, iria se tornar a própria fonte de revelação. A fé dos crentes iria “criar” comunidades entre aqueles crentes. Na Nicarágua e em outros países da Amé rica Latina, essas comunidades são chamadas de comunidades de base. E essas comunidades, reunidas, iriam formar a nova “Igreja”, a “Igreja do Povo”.

Essas comunidades começaram a se formar anos antes da revolução nicaraguense tomar de assalto o palco da g eopolítica em 1979. Grupos de homens e mulheres leigos se reuniam regularmente para rezar, ler a Bíblia, cantar hinos, discutir seus problemas concretos locais de caráter econômico e político; escolher não só seus líderes políticos, mas também seus sacerdo tes; e determinar não apenas as soluções para seus proble mas seculares, mas a melhor maneira de adorar e em que acreditar.

Era um sonho tornado realidade. Sonho esse expresso em palavras claras pelo mesmo frei Boff: “O poder sagrado deve tornar a ser colo cado nas mãos do povo.” Não seria permitido ensinamento ou direção “vin da de cima”, da Igreja alienígena, hierárquica. De fato, os próprios símbolos daquela Igreja deveriam ser rejeitados com firmeza. Os símbo los e tudo o mais só deveriam vir “de baixo”. Do povo. De suas comunidades de base — quase 1.000 delas só na Nicarágua, com o correr do tempo; e quase 300.000 na América Latina, ao todo. A ideia das comuni dades de base se espalhou pelos Estados Unidos, onde às vezes são chamadas de “reuniões”.

Fernando Cardenal, Ernesto Cardenal, Miguel D’Escoto Brockman, Edgar Parrales e Alvaro Arguello foram os sacerdotes que formavam o carro -chefe dos sandinistas, os legitimadores intencionais e voluntários dessa nova “Igreja do Povo”, que iria se apropriar de todas as palavras do catolicismo e redefini - las, enquanto eliminava toda a influência papal da Igreja na Nicarágua. O catolicismo dos nicaraguenses estava para ser “convertido” ao marxismo.

E os sacerdotes sandinistas eram eficientes. À medida que grupos d e dez, vinte e por fim centenas de outros sacerdotes, freiras e irmãos reli giosos por todo o país ficaram inspirados por esse novo fervor, as comu nidades de base se espalharam lentamente e aprofundaram suas raízes o bastante para transformar os sandinistas nos novos hierarcas da sociedade nicaraguense.

Até determinado momento, é justo presumir -se que o papa Paulo VI, em cujo reinado teve lugar a fase mais ardorosa dessa atividade, pudesse

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revertê-la, ou pelo menos puxar-lhe as rédeas. Muito logicamente, entretanto, Paulo dependia da lealdade e da firmeza teológica de superiores jesuítas em Roma e na América Central, sem perceber a tempo que eles estavam sendo complacentes com a atividade de seus subordinados jesuí tas nicaraguenses.

Em 1965, quando cons elhos e informações fizeram com que come çasse a preparar seu dossiê sobre os jesuítas a sério, Paulo VI estava com muitos outros problemas nas mãos. Ele achava, também, que ainda po dia confiar nos superiores da Sociedade para que controlassem seus co mandados, como haviam feito os papas durante quatrocentos anos. E de fato, aqueles superiores disseram a Paulo a verdade sobre um aspecto da Nicarágua — o fato de que os bispos católicos, os jesuítas e todos aqueles que tivessem algo de cristão no país estavam unidos contra a mortífera ditadura de Luis Somoza Debayle. Mas não disseram a ele que os sandi nistas estavam pretendendo um domínio marxista.

Só em 1973 e 1974 foi que Paulo VI ficou realmente alarmado sobre os jesuítas em geral; àquela altura, porém, o seu controle sobre eles já se enfraquecera. A Nicarágua, enquanto isso, continuava a se ulcerar com revolução, matanças, bombardeios, assaltos a bancos, tortura e mutila ção em todos os lados. Naquele teatro de violência, o forte apoio dos je suítas e a procrastinação de Paulo VI fizeram com que os sandinistas ganhassem um tempo precioso.

Nos Estados Unidos, durante aqueles mesmos anos, com o ditador Luis Somoza ainda livre em sua brutal repressão da população nicaraguense, a influência sandinista e o novo fervor religioso já estavam se infiltran do. Dois ativistas políticos do Partido Democrático, Richard Shaull e Brady Tyson, juntamente com alguns outros, fundaram o Congresso Norte -Americano sobre a América Latina (NACLA). Shaull expôs os ob jetivos do NACLA de forma sucinta, às Sessões de Cooperação Católica Interamericana em St. Louis, já em 1968: “Para um crescente número de jovens católicos, só há uma esperança: a organização de movimentos armados de libertação nacional, com todo o sacrifício e o derra mamento de sangue que isso envolve.”

O NACLA estava longe de ser o único grupo, nos Estados Unidos, com esse ponto de vista. A década seguinte pareceu desovar organizações e grupos como peixinhos, cada qual apoiando relações abrandadas com Fidel Castro e seus afiliados por toda a América Latina, e cada qual com um lobby atuante em Washington para fazer com que os sandinistas nicaraguenses fossem aceitos pelos legisladores norte-americanos e seus constituintes. Dentre essas organizações, sem contar o NACLA, as principais eram o Instituto de Estudos Políticos (IPS) e seu subsidiário, o Instituto Transnacional (TNI); a Agência de Washington para a América Latina (WOLA); o Comitê Norte -Americano de Justiça para os Prisioneiros Po líticos Latino-Americanos (USLA); e o Conselho de Assuntos Hemisféricos (COHA).

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