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131 na Casa Torre, o lar dos Loyola que ficava no Vale Iraurgi entre duas

cidadezinhas, Azpeitia e Azcoitia, na província basca de Guipúzcoa, ao norte da Espanha.

Os Loyola, cavaleiros e guerreiros por profissão, eram propri etários de terra educados, mas pobres. A mãe de Iñigo, dona Maria Saenz, morreu quando ele ainda era bebê; ela e o marido, don Beltrán, estavam casados há 25 anos quando do nascimento de Iñigo. Iñigo foi batizado na igreja de São Sebastião, em Azpeitia. Foi amamentado por uma vizinha agricultora, Maria Garin, e criado por Magdalena de Aráoz, esposa de seu irmão mais velho, Martin Garcia.

Suas mais antigas recordações eram da Casa Torre, situada entre ár vores frutíferas e campos atapetados de flores; e do marido de Maria Garin, um ferreiro, torrando castanhas de Azpeitia no fogo de sua forja e contando histórias intermináveis sobre os grandes acontecimentos que ti nham lugar no mundo fora de sua adorada Guipúzcoa.

Aqueles grandes acontecimentos iriam rapi damente fazer entrar um novo mundo que iria envolver toda a Europa. Para os Garin, para os Lo yola, para todos os bascos, o isolamento e auto-suficiência de outrora de Guipúzcoa já haviam acabado quando Iñigo nascera. Como podemos ver em retrospecto, hoje, aqueles acontecimentos tornaram inevitável o sur gimento da nova era na qual Iñigo iria se tornar um dos grandes.

O primeiro dos acontecimentos de que Iñigo ficou sabendo daquela maneira agradável, semelhante a um livro de histórias, tivera lugar há uns quarenta anos antes de ele nascer. A queda de Constantinopla diante dos turcos otomanos, em 1453, era assunto adequado para a hora de contar histórias, porque levou à destruição de metade — alguns diriam que a metade mais valiosa — da civilização cristã. Co nstantinopla não havia sido apenas a capital do império bizantino que tinha 1.000 anos; era o único elo vivo da Europa com o mundo grego antigo e o único depositá rio de uma inestimável expressão da tradição cristã.

O efeito mais profundo da queda de Const antinopla foi sobre a civilização cristã da Europa. Certas partes valiosas da civilização bizan tina foram levadas para a Europa por aqueles que escaparam à conquis ta otomana. O resultado primordial, então, foi a inundação da mente de europeus por imenso s tesouros da literatura, das belas-artes e das artes decorativas, da filosofia, da engenharia, da arquitetura, da teologia e da ciência, todos os quais Constantinopla havia preservado e desen volvido durante o seu longo reinado. Os indícios da Renascença , manifestados durante a primeira parte do século XV, recebiam agora uma in fusão de vigor e inspiração que tornou possível o dilúvio da alta Renascença.

Grande parte do que precedera a cristandade em Roma e na Grécia ficou à disposição do que havia sido o fechado mundo medieval de fins dos anos 1400. A imaginação e as ambições dos homens, sua natural cu riosidade sobre este mundo e seu instinto de progredir eram mais fortes do que os antigos laços pelos quais eles haviam ficado presos numa espé cie

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de isolamento cultural. De repente, durante a vida de Iñigo, o mundo já não seria visto como o centro físico do cosmo. Em vez disso, estarrecedoramente, era visto como heliotrópico, como apenas mais um planeta que girava em torno do sol.

Aquele cosmo rearrumado chamava atenção para si. A cristandade romana, nos primeiros 1.000 anos de sua história, havia encerrado os eu ropeus numa casa exclusiva, auto-suficiente, só deles, fora dos limites para qualquer pessoa ou quaisquer ideias vindas de fora, e dominada pela ideia central da eternidade de Deus. Surgia agora, na Europa, um rufar e uma batida insistente, um clamor constante por maior liberdade, por experi mentação pelo risco, à medida que os homens percebiam a riqueza e a amplitude da mente pré -cristã. Sob o impulso dessa nova infusão, os europeus estavam a ponto de saírem daquela casa para sempre e entra rem nas convulsões do mundo em geral. Estavam prestes a saírem da história paroquial e entrarem na história propriamente dita e, na impressionante imagem de R obert Penn Warren, “na terrível responsabilidade do Tempo”.

Em trinta anos, a contar do nascimento de Iñigo, as autoridades da Igreja na Europa tornaram-se cientes de que não conseguiam se comuni car com essa nova mentalidade; que estavam, na verdade, per dendo o devotamento de milhões porque já não podiam falar a eles de forma inte ligível, já não compreendiam o que os animava, o que os inspirava, e não podiam responder aos ataques dos reformadores da Alemanha e da In glaterra. O novo espírito que estava entre os homens de toda parte pro metia mudar tudo. Para que o Evangelho e a religião de Roma fossem comunicados com sucesso àquela nova mentalidade — a mentalidade pós-medieval e renascentista — era preciso um método de explicação total mente novo.

Até aquele momento, a província basca de Guipúzcoa e a pequena cidade de Azpeitia, na qual nascera Iñigo, continuavam, como tantos outros lugares provincianos da Europa, inteiramente isoladas. Limita da ao norte pela baía de Biscaia e pelos Pireneus, e ao sul pel as muralhas das montanhas de Aralar e Aritz, seguros em seus 1.200 quilôme tros quadrados, com San Sebastián como sua maior cidade, Guipúzcoa e seus bascos achavam que as Vascongadas — o país basco — eram tudo o que importava. Era um país pequeno, é verd ade; de fato, em muitas maneiras era o país pequeno típico. Mas os bascos que o habitavam nunca tiveram uma mentalidade tacanha. Pareciam compreender o vasto mundo lá de fora e à sua volta, com uma amplitude de visão ao mesmo tempo perceptiva mas arredia — mais porque eram perfeitamente auto - suficientes do que devido a qualquer medo paroquial do desconhecido. Pa ra eles, havia poesia e beleza suficientes nas florestas de carvalho e de castanheiras de sua região e ao longo de suas escarpas de rocha calcári a. Havia variedade suficiente na disposição combinada de vale, serra e pra daria formada pelos rios Urumea, Urola e Aria que corriam para o mar. Havia lei e ordem suficientes nos tradicionais fueros, a legislação basca,

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