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41 Até mesmo a comitiva de João Paulo observou a polida frieza dos

notáveis jesuítas reunidos para a ocasião. Depois das cerimônias religiosos, o papa jantou com os jesuítas no refeitório deles. Foi cortês em suas observações, reclamou um dos jesuítas presentes mais tarde, mas “não nos fez a menor insinuação sobre o futuro da Sociedade”.

Aquela reclamação tinha um significado que daria para encher volu mes, Os jesuítas tinham conseguido ignorar Paulo VI e João Paulo I. Por que iriam precisar de João Paulo II? Os jesuítas teriam simplesmente que ter paciência e sobreviver a esse papa, como haviam sobrevivido aos doi s anteriores.

Dois meses após aquele encontro de fim de ano entre o papa e seus jesuítas, nos meses de fevereiro e março de 1979 o geral Arrupe convocou entrevistas coletivas no México e em Roma, nas quais afirmou afavelmente que não havia atrito algum ent re o santo padre e os jesuítas. Sim, confir mou Arrupe a jornalistas no Gabinete Internacional de Imprensa da Santa Sé, ele havia recebido aquele discurso de João Paulo I, que João Paulo II havia assumido como sendo dele próprio. Falava -se, continuou ele, que o documento “tinha um sentido pejorativo e era uma reprimenda” dirigida às alterações feitas na Sociedade sob a liderança de Arrupe que já durava quatorze anos. Mas aquilo era um absurdo, disse Arrupe. O papa sabia que, “naturalmente, a Sociedade de Jesus havia mudado”, continuou ele. “Não poderia ser de outra maneira, ao ver que a própria Igreja havia mudado.” Não havia, na realidade, atrito algum, concluiu ele.

Sua Santidade pensava o contrário: havia um grave atrito. Aquilo que João Paulo chamava de “atrito sobre pontos fundamentais”.

Teólogos e escritores jesuítas, na Europa e nas Américas, tinham estado, e ainda estavam, ensinando e escrevendo sobre crenças e leis católi cas de uma maneira que se opunha aos ensinamentos papais tradicionais e aos ensinamentos anteriores da Igreja como um todo — sobre a autori dade papal; sobre o casamento entre o marxismo e a cristandade; sobre a moralidade sexual em todos os seus aspectos; sobre crenças sagradas católicas como a Conceição da Virgem Maria, a existênc ia do Inferno,

o sacerdócio. Eles estavam, na verdade, redefinindo e remodelando tudo do catolicismo que os católicos sempre consideraram como valores pelos quais valia a pena viver e morrer — inclusive a própria natureza e consti tuição da Igreja que Cristo fundou.

O geral Arrupe continuou a permitir a publicação de livros que con - tradiziam toda a gama de ensinamentos tradicionais, e a defender seus homens que escreviam e ensinavam segundo aquela orientação. Nenhum apelo papal ao padre Arrupe jamais pareceu ter qualquer efeito, diante da complicada e engenhosa delonga do geral jesuíta.

Arrupe iria examinar a situação, prometia ele ao santo padre. Dizia ele que já tinha inquéritos em mãos. Iria mandar informações o mais rá pido possível. Era difícil separar a verdade de boatos malévolos. Ele fa ria esforços no sentido de esclarecer posições. Era preciso tempo. Seus homens estava m fazendo o possível. Seus pontos de vista tinham sido dis torcidos.

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As acusações contra seus homens eram demasiado vagas. Ele preci sava de nomes, detalhes, datas e lugares. O padre Arrupe faria, na verdade, qualquer coisa, exceto levar seus homens de volta à condição de homens do papa. Em especial a homens daquele papa.

Aos olhos de João Paulo, era significativo o fato de o geral Arru pe ter permitido que se chegasse àquela situação. Afinal, diz a razão que se, como dirigente da Ordem, você permite que um de seus jesuítas publique um livro defendendo uma mudança na oposição da Igreja à homossexua lidade, você, como geral, tem que consid erar o assunto como questão em aberto. O jesuíta John J. McNeil teve permissão de seus superiores ame ricanos e romanos para publicar um livro desses. Se você apoia repetidas vezes o trabalho de outro de seus jesuítas que vota abertamente no Con gresso dos Estados Unidos a favor do financiamento do aborto, você, co mo geral, deve considerar que o aborto, também, é uma questão que de qualquer modo está em aberto. Juntamente com os superiores jesuítas ame ricanos, Arrupe aprovou repetidamente a carreira de dez anos no Congresso do padre Robert F. Drinan, que fez exatamente isso. “Rejeitamos a ideia”, disse Arrupe, contrariando diretamente o desejo e a ordem explícitos de João Paulo, “de que os jesuítas devam evitar sistematicamente todo envolvimento polític o.”

Ao final do verão de 1979, estava claro para João Paulo que Arrupe não iria fazer coisa alguma para deter até mesmo aqueles dentre os seus comandados que lançassem dúvidas sobre doutrinas básicas que iam da divindade de Jesus à infalibilidade do papa.

Em setembro de 1979, cerca de doze presidentes de conferências jesuíticas nacionais e regionais reuniram-se em Roma para um encontro com Arrupe. Este e seus assessores jesuítas acharam que seria boa ideia ter uma audiência com o santo padre. Em consequênci a, Arrupe requereu e teve autorizada uma audiência para ele, seus principais assessores jesuí tas de Roma, e os doze presidentes visitantes.

A audiência teve lugar no Vaticano, no dia 21 de setembro. João Pau lo posou para fotografias com os presentes, con versou sobre amenidades depois de seu discurso formal, ofereceu rosários a cada um deles. Mas não havia como ter dúvidas quanto à sua mensagem.

“Os senhores estão causando confusão entre o povo cristão”, recla mou o pontífice em sua mensagem aos líderes je suítas, “e ansiedade à Igreja e, também, pessoalmente ao papa que lhes fala.” O papa relacionou suas reclamações contra os jesuítas, falando em suas “lamentáveis deficiências” e sua “heterodoxia doutrinária”, e pedindo a eles que “vol tassem à total fidelidade ao magistério supremo da Igreja e ao pontífice romano”. Disse ele que não podia ser mais explícito ou estender muito mais sua paciência para com os desvios dos jesuítas.

Já não havia mais como dissimular sob a forma de uma reclamação de que o papa “não nos deu o menor sinal quanto ao futuro da Socieda de”. Mas existiam outros recursos, e os homens da Sociedade sempre fo ram engenhosos.

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