• Nenhum resultado encontrado

87 Cedo, no dia 5 de outubro, a figura baixinh a do secretário de Estado

surgiu, atravessando as Portas de Bronze do Vaticano. Caminhou as poucas centenas de metros até o outro lado da praça de São Pedro, dirigindo -se

no número 5 do Borgo Santo Spiritu, e apareceu, sem ser anunciado, diante da porta da frente da casa jesuítica onde Arrupe estava acamado. Levava uma mensagem papal para o padre-geral.

Deixaram-no entrar. Ele subiu as escadas, foi levado até ao quarto de Arrupe, e caminhou até à cabeceira da cama. Ficou de pé ao lado da forma paralítica do velho basco e leu a carta de João Paulo. “Eu queria ter condições de trabalhar com vocês”, escrevera João Paulo, “nos preparativos da congregação geral (...)”, mas as balas do assassino no dia

13 de maio e o derrame de Arrupe no dia 7 de agosto tinham aca bado com toda aquela parte do plano. “Por isso, decidi nomear um delegado pessoal (...)”. Efetivamente, aquela carta excluía Pedro Arrupe do generalato para sempre e exonerava O’Keefe de seu cargo de vigário-geral da Sociedade — e lhe retirava todas as esperanças de ser eleito geral por uma Congregação subsequente.

Não era o controle do poder por parte de João Paulo que havia ter minado. O delegado pessoal do pontífice e superior temporário da Sociedade era Paolo Dezza. Com quase oitenta anos de idade, quas e cego, uma autoridade em educação superior, antigo mestre de romanità, homem que armazenava em sua memória uma enorme quantidade de fatos e números, Dezza granjeara renome há quase quarenta anos antes, no pontifica¬do do papa Pio XII. Tinha sido confessor dos papas Paulo VI e João Paulo I. Um dos velhos especialistas romanos, Dezza, quase que sem dú¬vida alguma, fora chamado durante as fases finais das consultas entre Vescovi, João Paulo II e os outros notáveis curiais. “O papa”, observou um jesuíta, “está demonstrando seus poderes divinos ao dizer a Dezza: ‘Lázaro! Apareça!’”

Dezza era, realmente, idoso e frágil, mas tinha mais habilidade em seu repertório, mais aço em seu jeito pianissimo, do que muitos milhares de homens mais moços.

Para assistente de Dezza, João Paulo nomeou um sardo, Giuseppe Pittau. Pittau obtivera doutorado em ciência política em Harvard, e ti nha sido nomeado por Arrupe provincial do Japão e presidente da Uni versidade de Sofia, em Tóquio. João Paulo conhecera Pittau em fevereiro da quele ano, durante a sua viagem ao Japão.

A eliminação de Arrupe e O’Keefe, a nomeação de “um delegado pessoal do santo padre junto à Sociedade de Jesus”, e a incerteza com relação ao próximo movimento de João Paulo provocaram pânico entre os provinciais jesuítas nos Estados Unidos, que tanto haviam se embre nhado no caminho pelo qual Arrupe os guiara. Eles encaminharam um questionário preocupado a Dezza, mesmo antes de ele assumir oficialmente

o cargo. Qual era a posição das Constituições da Sociedade? Suspensas? Totalmente, ou em parte? E agora, o que iria acontecer? Qual a

88

constitucionalidade dos atos do papa? Eram legais? Quais os poderes de Dezza? Ele podia passar por cima dos provinciais? Substituí -los? Podia dispensar jesuítas da Sociedade? A congregação geral estava adiada indefinida mente? Quando poderiam eles eleger um novo geral?

No dia 26 de outubro, Dezza despachou longo telex em resposta. Tranquilizou os jesuítas americanos quanto às Constituições. A convocação da congregação geral, entreta nto, tinha sido adiada “para que hou vesse melhor preparação”.

No dia 30 de outubro, Dezza assumiu formalmente o comando da Sociedade; rezou uma missa concelebrada e disse a homilia no Gesù. Do púlpito, apresentou outro e ainda mais perturbador motivo pelo qual a congregação geral fora adiada pelo papa João Paulo II: “O santo padre achou melhor esperar até que seja promulgado o novo código de Lei Ca nônica.”

Imediatamente, isso provocou temores ainda piores. Na nova lei da Igreja, será que a Sociedade seria despida de seus privilégios? Talvez co locada sob a jurisdição de bispos locais? Talvez novas leis fossem proibir que os jesuítas fizessem o que estavam fazendo? O pânico aumentou. Dez za, entretanto, continuou imperturbável.2

A intervenção de João Paulo no governo da Sociedade foi uma coisa irritante e um dissabor para Stato e para Religiosi; mas para os colegas de Arrupe naquele governo, foi um ultraje moral e uma devastação, uma total e avassaladora surpresa. “Isso”, disse um advogado jesuíta, “é um pas moso salto de total ilogicidade.”

A maioria dos 26.622 membros da Sociedade em 1981 esperava al gum ato papal naquele sentido, a fim de corrigir as desordens entre eles.3 Mas para os “pensadores avançados” e para os membros da Sociedade em todo o mundo, er a inconcebível que uma maioria recebesse com agra do a intervenção papal. “É provável que existam apenas cerca de 8% de jesuítas no mundo”, observou um jesuíta baseado em Roma, “que pos sam levar a mão ao coração e dizer: ‘Obrigado, papa João Paulo.’”

Um papa, este papa, ousara intervir diretamente na direção dos je suítas. Agora o papel, o dever deles, era resistir enquanto a intervenção durasse.

O fato lamentável e revelador é que a liderança jesuíta e os pesos -pesados intelectuais gritaram como se fossem sócios de um clube exclusivo e autônomo cujas preciosas liberdades fossem subitamente retiradas por uma mão rude e ilegal. A reação daria livros sobre a deterioração da obe diência na Sociedade. “Afinal, os papas não são imortais”, era uma fra se consoladora usada com frequência na época.

Como era inevitável numa organização como a Sociedade, o ponto de vista corporativo prevaleceu em público. Mais de 5.000 cartas de pro testos de jesuítas de todas as partes do mundo foram despejadas sobre

o Gesù, todas condenando o ato de João Paulo. Na Alemanha Ociden tal, dezoito jesuítas, inclusive o peso-pesado teológico de sua época, Karl Rahner, dirigiram uma carta a João Paulo II, na qual declararam que

89

Outline

Documentos relacionados