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109 de Jesus de seu atoleiro de secularização, desobediência e rebeldia em relação

ao papado.

Além do mais, pelo raciocínio pa pal a experiência na Nicarágua de via ter demonstrado a Dezza e a Pittau, muito mais do que a mera insis tência verbal do papa poderia ter demonstrado, a urgente necessidade de reforma. O próprio papa nunca havia visto a gravidade do problema com tanta nit idez quanto na Nicarágua. Mesmo em países comunistas — na Polônia e na Hungria, por exemplo — as poderosas ameaças de tropas marxistas armadas nunca havia m conseguido que o povo gritasse duran te horas, como fizeram os nicaraguenses, contra a sua Igreja e o seu papa. Era evidente que, depois do singular desempenho do governo sandinista cm Manágua, não seria necessário que João Paulo insistisse mais.

O juízo do papa com relação a Dezza e Pittau revelou -se inteiramente errado.

Dezza interpretara a questão t oda de maneira diferente. Se o papa não lhe deu ordens específicas, então o papa não estava sendo papal. Não estava exercendo a plenitude de seus poderes. Quando João Paulo I esta va vivo e fez um pedido específico a Dezza, relativo à redação do discur so que ele queria fazer para Arrupe e seus jesuítas em 1978, Dezza concordou; ele sabia o que o papa queria. Poucos jesuítas sabiam que a mão de Dezza havia dado forma ao discurso que João Paulo I nunca pronunciou, mas do qual João Paulo II se apropriara.

Agora, em 1982, a falta de explicitação nas ordens de João Paulo

I significava, segundo a romanità, que havia algum poder solto na área, e que a mão que tomasse esse poder que não estava sendo usado poderia fugir com ele. Cabia a Dezza decidir o que fazer.

Nesse caso, na verdade, fugir com o poder não foi bem o que Dezza fez; com habilidade, ele o escondeu — manteve-o na reserva, como pode ríamos dizer — para o momento em que a ordem jesuítica tivesse permis são para reassumir sua própria governança. Era a essa finalidade — o retorno da Sociedade à sua “forma” adequada — que Dezza dedicava seus esforços.

É certo que João Paulo tinha muito mais problemas para resolver do que o dos jesuítas. Havia a dor contínua da Polônia. Havia lutas in ternas só do Vaticano — sobre o código da Nova Lei da Igreja Universal; sobre a liturgia da Missa; sobre o modo de agir dos missionários nas cul turas asiáticas e africanas; sobre a continuada deterioração da Igreja nos Estados Unidos. Por mais cheia que estivesse a agenda do papa, o desafio direto à estrutura e à autoridade da Igreja lançado à face de seu papa do na Nicarágua teria, com toda certeza, colocado a questão dos jesuítas no topo de sua lista de prioridades, não fosse a sua confiança em Dezza.

Quando o jogo de espera de Dezza ficou óbvio — o seu silêncio e sua inércia quanto à profanação nicaraguense e seus preparativos, como se nada tivesse acontecido, para a congregação geral, foram indícios evi dentes — membros da administração papal estavam aconselhando João Paulo II a não intervir num disciplinamento e castigo diretos da Socieda de.

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Era como uma repetição do aviso que Religiosi havia dado ao papa na reunião secreta do Conselho de Estado de dois anos antes. Só que agora o aviso era um coro possante e o problema havia piorado muito: o que afligia a Sociedade de Jesus afligia grandes segmentos da Igreja do papa. Agora, todas as principais ordens religiosas estavam afetadas, junto com um número assustadoramente grande de bispos, teólogos e sacerdotes, para não falar de le igos ativistas católicos e freiras.

João Paulo entendeu muito bem os avisos. Com precisão maior do que a de qualquer homem vivo, ele compreendia o controle precário da tradicional Igreja hierárquica sobre a sua gente. Sabia que o secularismo que animava os jesuítas estava tão disseminado quanto o antipapalismo; que um se alimentava do outro; e que ambos eram amplamente estimula dos por homens tão diferentes quanto o sofisticado teólogo dominicano da Holanda, Edward Schillebeeckx, o irritante arcebispo do Br asil, Helder Câmara, o sutilmente maldoso Karl Rahner, S.J., o abelhudo bispo Casey, de Galway, na Irlanda, e o íntegro mas sempre dissidente Richard McBrien, dos Estados Unidos.

Não foi surpresa, para João Paulo, quando Schillebeeckx falou num antipapal comício-monstro holandês, ou que tenha proclamado, lá — por infalível que pudesse parecer —, que a estrutura hierárquica da Igreja não é a vontade de Deus e que a infalibilidade do papa “é, do ponto de vista católico romano, uma absoluta heresia”.

Uma declaração do monsenhor George Higgins, dos Estados Uni dos, só pareceu mais inócua porque seu estilo é por natureza brando e inofensivo: “A participação ativa, inteligente e verdadeiramente esclare cida na liturgia é o meio primordial para desenvolver uma cons ciência social e uma percepção especial entre os católicos — mantidos constantes os demais elementos, uma congregação mergulhada na vida litúrgica da Igreja será mais cônscia do ponto de vista social, e estará mais bem pre parada para fazer julgamentos morais bem fundados na vida econômica e política do que uma outra que não esteja nessas condições.”

Segundo o ponto de vista do papa e em toda a história da Igreja, desde a época dos próprios apóstolos, liturgia sempre significou algo to talmente diferente; tem significado a participação do indivíduo nos sa cramentos da Igreja. Os Sacramentos não são despertadores da consciência social ou organizadores de grupos, e não preparam o indivíduo para fa zer julgamentos bem fundados na vida política.

A declaração de Higgins foi importante precisamente porque refletia a disseminação, no próprio clero, de um conceito de “liturgia” divorcia da dos Sacramentos e orientada, em vez disso, para a guerra social, políti ca e econômica do dia entre nações. Refletia, na verdade , a secularização de funções divinas exatamente do tipo proporcionado pelo modelo sandi nista; refletia a troca sandinista -marxista da fé e do julgamento pessoais pelo catolicismo “comunitário”; e embora o estilo não fosse brilhante, a declaração foi um razoável resumo da mais recente forma de heresia, cha mada de modernismo, condenada pelos papas desde o século passado.

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