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91 mente que funcionasse como a de Dezza — era apresentar uma aparência de

unidade coesa, de tal maneira que a Sociedade pudesse ser aceita, vol tasse a gozar de seu prestígio e pudesse continuar seu caminho sem ser mais perturbada pela “dificuldade” que João Paulo II havia criado.

Uma pessoa se tornava aceitável ao observar os planos gerais de or - ganização e as convenções da romanità. Com isso, fazia uma bella figura. Isto é, causava “ótima impressão” à Santa Sé porque estava em ordem; ao público em geral, porque ocupava um lugar de honra no Vaticano; e ao s jesuítas do mundo inteiro, porque os superiores romanos da Ordem ocupavam altas posições no Vaticano. Bella figura em toda parte — era o objetivo e o ideal de Dezza.

A solução de Dezza, em suma, tinha tudo a ver com a restauração de relações, e nada a ver com abusos intra-Sociedade. A romanità se especializa na bella figura.

Pittau tinha antecedentes diferentes dos de Dezza. Não era italiano, mas sardo. Atingira a maturidade não em Roma, mas como provincial do Japão, onde havia sucedido Pedro Arrupe naqu ele posto e depois tra balhara sob a direção e inspiração de Arrupe durante quinze anos. O seu jesuitismo era o jesuitismo de Arrupe. E como Arrupe, ele agora tinha sido chamado das províncias para Roma, aquela capital com cujo poder ele tivera que lutar l á de seu posto distante. Mas ele, como Dezza, sabia aquilatar o valor das relações jesuíticas com o papa e com o mundo em geral.

As objeções do papa, então, na mente de Dezza e Pittau, diziam res peito às aparências de desvio da norma romana. Sim, os jesuí tas talvez tivessem sido considerados egregiamente afastados das fórmulas padro nizadas que Roma espera ver em documentos escritos, em instruções de superiores e subordinados, na repetição periódica de sentimentos de leal dade. Nisso, porém, eles vinham apenas — talvez com um pouco de exa gero no entusiasmo — manifestando o espírito da nova Igreja Católica nascido do Concílio Vaticano II de 1962 a 1965. Era “o espírito do Vaticano II” que os levava ao excesso.

Quanto aos jesuítas de ideias mais tradicional istas, aqueles que se opu- nham à maneira pela qual a Sociedade se desenvolvera, eles simplesmen te partilhavam com o papa João Paulo uma teologia que era anterior ao Concílio Vaticano II. Arrupe, Dezza e Pittau, enquanto isso, juntamente com todos os superiores provinciais da Sociedade, marchavam ao som da nova teologia pós - Concílio.

A tarefa que Dezza e Pittau enfrentavam, portanto, era uma tentati va radical de restaurar a bella figura da Sociedade de Jesus. O santo padre teria que ver instruções de Dezz a e Pittau a todos os jesuítas enfati zando as fórmulas tradicionais de Roma. Os superiores da Sociedade te riam que fazer reuniões, criar grupos de estudo, realizar assembleias pro vinciais, discussões internas, e coisas que tais, a fim de mostrarem seu á vido interesse no chamamento à ordem feito pelo papa. De cada supe rior local, os superiores romanos teriam que receber extensos e detalha

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dos relatórios sobre como tudo estava sendo levado adiante. A dissensão dos membros mais tradicionalistas que ameaç ava a unidade visível da So ciedade tinha que ser abafada, isolada, retirada dos olhos do público. Se tudo o mais fracassasse, e devido ao fato de que a aparência de unidade era bastante essencial para a “reforma” de Dezza e Pittau, os dissidentes que pers istissem teriam que ser discretamente dispensados da Sociedade.

Continuidade era parte essencial da “forma” que Dezza visava de - monstrar. Dezza insistia, de fato, na “continuidade com Arrupe” e sua liderança. Ele cumpria a sua missão papal com o conselho e a ajuda dos homens que Arrupe havia colocado em posições de autoridade e sob cu jas direções a Sociedade se deteriorara. Não foi surpresa, para Stato e outros que compreendiam a romanità e a mente de Dezza, o fato de o supervisor papal não ter tocado, de maneira alguma, nos administrado res jesuítas que tinham sido responsáveis pela situação política e teológi ca que provocara a ira de três papas e a intervenção direta de João Paulo na governança da Sociedade.

Não houve exigência alguma, na gestão de Dezza e Pittau, não mais do que houvera na de Arrupe, de obediência, pelos jesuítas, a ensinamentos específicos da Igreja — sobre infalibilidade papal, aborto, homossexualismo, divórcio e marxismo. Eles insistiam, entretanto, bem mais do que Arrupe havia feito, para que os dissidentes mais extremados da doutrina católica na Sociedade calassem suas vozes até que a Sociedade pudesse, uma vez mais, escolher o seu superior-geral, fechando, assim, a porta ao infeliz incidente de intervenção papal direta.

Enquanto isso, Dezza começou uma procura muito discreta, mas cui - dadosamente dirigida, por um candidato adequado para ser o próximo geral. Alguém já estabelecido por méritos próprios, bem -sucedido em sua carreira, de virtude confiável, inteligente no que se referisse a romanità, papas e cardeais. Alguém religiosamente impecável. Alguém capaz, pelo caráter e pelo jesuitismo, de guiar a Sociedade através do período previsivelmente difícil de gestão desse papa polonês.

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4. A HUMILHAÇÃO PAPAL

A

recuperação de João Paulo II parecia dolorosamente lenta. O ano de 1981 tinha sido devastador não apenas para a sua saúde, mas para o espírito de sua estratégia papal. Com o papa derrubado por balas e depois enfraquecido pela hepatite, e com a mor te do cardeal Wyszynski, seu amigo íntimo e um aliado indispensavelmente confiável no desenvolvimento do Solidariedade como exemplo, o Solidariedade tinha sido detido efetivamente no seu plano de desen - volvimento aberto, público. Nada lhe restava senão a redução da s ati- vidades, o reagrupamento e uma volta a uma existência secreta em sua maior parte.

Ao mesmo tempo, os riscos na América Latina, o segundo maior cen tro da estratégia “na base da força” de João Paulo, tinham aumentado consideravelmente. Os serviços de informações americanos confirmavam, em 1980, que os sandinistas estavam usando seus recursos, inclusive as liberais quantidades de auxílio dos Estados Unidos que tinha começado a ser prestado sob a gestão do presidente Carter, para canalizar armas para os guerrilheiros marxistas no vizinho El Salvador. Em 1981, o secre tário de Estado norte- americano Alexander Haig havia caracterizado ru demente a Nicarágua como a primeira numa “lista de ataque” soviética de países latino -americanos destinados ao domínio so viético. Naquele mes mo ano, a ajuda americana foi suspensa. Mas em princípios de 1982, o reconhecimento aéreo e terrestre demonstrou, sem sombra de dúvida, que grandes construções militares estavam sendo realizadas na Nicarágua, exe cutadas com dinheiro, material, mão-de- obra e tecnologia cubanos e so viéticos. Simultaneamente, a revelação de que guerrilheiros anti-sandinistas, apoiados pela CIA, estavam operando na Nicarágua e com base na vizinha Honduras amedrontou os sandinistas e provocou uivos de pro testo de jornais e periódicos ligados à Igreja nos Estados Unidos, Canadá e Europa.

Para todos os jogadores do jogo geopolítico global de nações, a Ni - carágua se tornara, evidentemente, o carneiro -guia de rebanho do hemis fério ocidental. Aos olhos do dita dor de Cuba, Fidel Castro, aos olhos

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dos vigilantes homens do governo Reagan em Washington, e do ponto de vista dos homens que traçavam o curso para o Politburo de Moscou, para onde a Nicarágua fosse iriam todos os países centro -americanos e, por fim, também alguns da América do Sul.

Geopoliticamente, o papa João Paulo II concordava com essa análi se. Mas para ele, a luta era pela própria sobrevivência do catolicismo ro mano no hemisfério sul, onde vive quase a metade de todos os católicos romanos. E, a seu ver, a verdadeira oposição naquela luta estava cheia dos mais perigosos rebeldes da Igreja desde a revolta de Martinho Lutero no século XVI.

Sobre aquele determinado ponto, o pontífice católico romano e a Jun ta marxista da Nicarágua estavam de acordo. A fonte central de força popular para a revolução sandinista era o constante desenvolvimento de comunidades de base, baseadas e sustentadas pela “Igreja Popular”. Os únicos que poderiam dar certa legitimidade àquele empreendimento ar riscado eram os sacerdotes políticos católicos romanos do Partido Sandi nista. A leal colaboração deles, por trás do jesuíta Fernando Cardenal como o ativista exemplar de destaque, havia se mostrado vital para a ma nutenção de um impulso à frente na instalação de um regime marxista aceitável pelo povo nicaraguense. Levando -se tudo em conta, tratava-se do ataque mais inteligente à própria alma do catolicismo que já fora armado; e esse ataque prometia livrar o hemisfério, e por fim o mundo, de qualquer presença católica romana efe tiva.

Tão confiante ficara a Junta nesse apoio clerical para atingir seus objetivos, que nada a detinha no sentido de silenciar quaisquer religiosos que se opusessem ao conceito de “Igreja Popular” e à instalação de suas comunidades de base, que eram polit icamente indispensáveis. Não era raro a Junta adotar uma ou duas páginas das táticas da Gestapo, como quan do forjou provas de imoralidade sexual por parte do padre dissidente Bismark Carballo, ou quando enviou um bando de valentões para agredir nada mais nada menos do que a figura do arcebispo da Nicarágua, Mi guel Obando y Bravo, que se tornara implacável, embora continuasse sem sucesso, no seu pedido para que todos os sacerdotes pedissem demissão de seus cargos no governo.

Essas táticas parecem não ter p rovocado nem mesmo rubor às faces de Fernando Cardenal, ou às faces de seu irmão poeta Ernesto, ou de Ál varo Arguello, ou de qualquer dos outros sacerdotes que estavam no go verno. Em 1982, quando as autoridades locais da Igreja na Nicarágua lan çaram uma censura eclesiástica sobre os sacerdotes que faziam parte da Junta, proibindo - os de rezar a Missa, ouvir confissões ou realizar quais quer funções sacerdotais, a resposta de Fernando Cardenal foi impertur bável: “Somos homens livres”, declarou ele; eles não podiam ser obrigados a se exonerarem.

A censura foi, até certo ponto, inócua; muitos dos sacerdotes políti cos já haviam abandonado qualquer prática de funções especificamente sacerdotais como a Missa e as confissões. Apesar disso, uma onda de protesto

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