• Nenhum resultado encontrado

61 intragabinete da Junta — uma vez mais formado com a colaboração de

Cardenal e seus colegas-sacerdotes que estavam no governo — era tirar Ioda a autoridade dos bispos católicos e fazer com que eles saíssem do país e, finalmente, declarar a Igreja do Povo como a única “Igreja Cató lica” permitida na nova Nicarágua.

Ele sabia que, para ajudar a atingir aquele objetivo, a Campanha de Alfabetização dirigida por Ernesto Cardenal estava sendo usada para Incutir princípios marxistas em todos a queles que estavam sendo ensinados a ler; e que, para ajudar a promover aquele objetivo, os jesuítas que estavam no governo e seus superiores religiosos uniram -se oficialmente aos sandinistas e sua organização de comunidades de base para conde nar, em termos cáusticos, as objeções dos bispos nicaraguenses às viola ções morais por parte do governo.

O papa sabia que Ernesto Cardenal, em seu papel de ministro da Edu - cação, era também responsável pelo envio de jovens nicaraguenses para a ilha de treinamento marxista de Fidel Castro (para Cuba, ela é a ilha da Juventude; para o resto do mundo, é a ilha dos Pinheiros) para se unirem aos 10.000 estudantes africanos nas dezessete escolas de doutrinação batizadas em homenagem ao presidente marxista Agostinho Neto, d e Angola. Ele sabia que os sandinistas, ao chegarem às alavancas do poder, executaram mais de 1.500 prisioneiros políticos e que mais de 3.000 ainda eram mantidos — e alguns torturados — em prisões sandinistas.

Em suma, através de relatórios precisos sobre aquelas e muitas outras atividades, o papa sabia que seus sacerdotes — jesuítas e outros — na Nicarágua estavam em íntima e corporativa colaboração com um regi me que violava direitos humanos e procurava a ajuda de outros cuja his tória daquele tipo de violação era consistente e flagrante. De fato, aqueles sacerdotes estavam no centro mesmo do regime que não só violou as leis da Igreja Católica, mas estava empenhado na destruição sistemática da Igreja hierárquica e na usurpação de sua autoridade, a fim de produzir um Estado totalitário organizado em linhas marxistas -leninistas.

Além disso, nas palavras do próprio Ortega, era intenção da Junta fazer o mesmo em toda a América Central. “Revolução aberta para toda a América Central”, repetia Ortega com frequência, na expressão resumida de seu programa.

Em abril de 1980, mais ou menos na ocasião em que o seu secretário de Estado, cardeal Casaroli, estava recebendo a visita dos membros da Junta nicaraguense e assegurando-os de seu apoio sensato, o santo padre rec ebia uma delegação de bispos nicaraguenses. Foi praticamente na mes ma ocasião em que os bispos começaram a retirar o seu apoio aos sandi nistas. João Paulo deixou claro que já via o perigo, e que esperava que seus bispos agissem de acordo com a situação. “Uma ideologia ateísta não pode servir de instrumento para a promoção da justiça social”, foi o significativo aviso do papa a Suas Excelências Reverendíssimas.

Falando a sacerdotes e clérigos em Kinshasa, Zaire, em maio daque le ano, o papa expôs o ideal do verdadeiro sacerdote: “Deixem a respon sabilidade

62

política para aqueles aos quais ela foi confiada. O papel espe rado dos senhores [padres] é outro, magnífico. Os senhores são líderes em outra jurisdição, como sacerdotes de Cristo.”

De volta a Roma, no dia 12 de maio, ele foi mais incisivo em sua linguagem: “Um padre deve ser um padre. Política é responsabilidade de leigos.”

Quando João Paulo fez essas declarações, o tráfego de mensagens telegráficas do seu Secretariado de Estado do Vaticano já vinha, há quase um ano, prestando informações sobre as triunfantes declarações de membros da Junta sobre a revolução aberta em todos os países da Amé rica Central.

Começou a constituir um enigma para algumas pessoas, devido à ca da vez mais franca desobediência de seus sacerdotes a suas ordens e à in sistência do papa em chamá-los à ordem, o fato de João Paulo não agir de forma direta e séria. Mas o fato pouco conhecido é que, não muito tempo depois de suas viagens na primavera de 1980, e mal decorridos dois anos d e sua investidura no pontificado, João Paulo começou a fazer pres são sobre os jesuítas que, de todos os sacerdotes da Igreja Católica, eram os únicos que deviam fidelidade e obediência especiais ao papa. A ação dele começou como reação a uma explosão de desobediência notável por seu espalhafato e sua impertinência, mesmo numa Igreja inundada, no mundo inteiro, por atos de desobediência.

O assunto em pauta, dessa vez, não dizia respeito diretamente à Ni - carágua. Mais precisamente, envolvia a prestigiosa rev ista jesuítica francesa

Études, editada pelo padre André Masse, que publicou uma série de artigos, em

três partes, escritos pelo padre jesuíta Joseph Moingt. Os ar tigos abordavam o ministério sacerdotal, a natureza do sacerdócio e o ce libato sacerdotal. Devido a seus trabalhos anteriores, os pontos de vista do padre Moingt sobre os mesmos assuntos tinham sido deixados claros demais; por ocasião daqueles primeiros trabalhos, o geral jesuíta Arrupe foi avisado pela Congregação pela Doutrina da Fé (a CDF), de Roma, de que Moingt não deveria tornar a publicar seus pontos de vista. Arrupe havia concordado, mas justificava a defesa de Moingt de um sacerdócio com casamento tendo por curiosa base a afirmativa, por parte de Moingt, de que os bispos do Laos e do Ca mboja tinham solicitado permissão de Roma para que seus sacerdotes se casassem.

Seja o que for que Arrupe tenha transmitido da desaprovação da CDF, o fato é que aquilo nada significou para o editor Masse e o escritor Moingt. Numa violação direta daquela or dem da CDF, e numa excepcional demonstração tanto da petulância de alguns jesuítas como da intri gante recusa de Arrupe a obedecer a seu papa, o editor Masse publicou os artigos em junho, julho e outubro de 1980, no exato momento em que a recalcitrância d os sacerdotes nicaraguenses criava os maiores proble mas para a estratégia papal.

O momento escolhido, entretanto, não foi o que constituiu a ofensa. Moingt havia ido muito mais longe, agora, do que simplesmente propor

63

Outline

Documentos relacionados